Perante muitas incertezas durante esta pandemia, devemos ser ainda mais determinados na ambição que temos para o nosso futuro. A retoma económica terá que ser mais solidária, inclusiva, sustentável e saudável. Não queremos voltar às nossas cidades poluídas de partículas que invadem os nossos pulmões, levam as nossas crianças com asma às urgências dos hospitais, deixam os nossos idosos mais expostos à morte. Regressar ao erro que nos trouxe aqui seria irresponsável e irracional. Não podemos desperdiçar a excelente prestação do nosso Serviço Nacional de Saúde, o esforço da nossa administração central e autárquica e o sacrifício de todos. Com a previsível redução do preço dos combustíveis fósseis, a menor capacidade dos transportes públicos, e o medo da proximidade física, voltaremos dentro de poucas semanas a cidades ainda mais insalubres que há poucos meses – salvo se forem adoptadas fortes políticas públicas e alterações profundas na distribuição do espaço público. A janela para a tomada de decisão é agora e muito breve. Tal como no início da pandemia, estamos perante uma emergência.
Governos em todo o mundo bem conscientes deste problema estão a adoptar políticas públicas sem precedentes. São medidas que visam, sem ambiguidades, conter o regresso ao uso dos automóveis, apoiando o transporte público e os modos activos (caminhar e a bicicleta). Mas também incentivar a adopção, pelas empresas e sector público, do teletrabalho, maior flexibilidade nos horários e outras medidas de forma a ajudar as famílias a deslocarem-se de forma mais saudável. Basta revermos alguns exemplos europeus e torna-se bastante clara e preocupante a inacção do governo português perante esta nova emergência.
Mas estes incentivos por parte dos governos não surtirão efeito sem profundas alterações do espaço público. Cidades em todo o mundo estão a transformar as suas ruas nas últimas semanas. Não só para ajudar as pessoas a ganharem espaço público nos seus bairros para os necessários passeios durante o confinamento, como também para contrariar desde já o expectável aumento do uso do automóvel e a necessidade de aliviar temporariamente o uso do transporte público. É fundamental encorajar que as pessoas, ainda em semi-confinamento, possam e queiram permanecer o máximo possível dentro dos seus bairros (dar os primeiros passos para a “cidade dos 15 minutos”). Precisamos reabrir jardins e transformar ruas locais em lugares de fruição para crianças, adultos e idosos. Tal implicará fechar ruas ao tráfego de atravessamento e assegurar velocidades máximas de 20km/h em zonas de coexistência (nova ferramenta que ficou recentemente disponível em Portugal). Precisamos com urgência de “corredores de saúde” que alarguem os passeios que hoje não permitem o distanciamento físico dos peões e que garantam o uso da bicicleta em segurança nas ruas principais. A velocidade dos automóveis e o estacionamento sobre o passeio são também preocupações em todo o mundo. Teremos que aumentar a fiscalização pelas forças policiais – em Portugal o risco de atropelamento aumentou drasticamente durante o confinamento – e usar medidas rápidas de acalmia de tráfego (principalmente quando as crianças regressarem à escola). Paris, Milão, Barcelona, Londres e inúmeras outras cidades em todo o mundo estão a criar “corredores de saúde”, a fechar ruas ao trânsito automóvel, a baixar limites de velocidade. Perante estes exemplos é evidente a inacção dos municípios portugueses, antes e durante o desconfinamento.
Vimos por este meio apelar ao Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro Ministro e autarcas que tomem a saúde pública e retoma económica justa e sustentável pós confinamento como uma nova emergência nacional. Manifestamos desde já a nossa disponibilidade para, dentro das nossas áreas de competência, colaborar com o Governo e os organismos do Estado para apoiar a implementação de medidas de emergência para um desconfinamento sustentável e seguro.
Mas, para além de tudo, precisamos urgentemente de lideranças fortes e inspiradoras para não continuarmos a envenenar as nossas cidades e expormos o nosso país e planeta a pandemias actuais (sinistralidade, obesidade, doenças de foro respiratório) e futuras (os surtos virais terão tendência a ser cada vez mais frequentes).
BOM FIM DE SEMANA!